Peça percorre o Centro Histórico de Cuiabá, misturando fatos e fantasia

Espetáculo começa dentro de ônibus, passa por lugares emblemáticos da cidade e tem até passeio a pé

É início da noite em uma das estações mais movimentadas de Cuiabá, a da Praça Bispo Dom José. Mas o ônibus que vai sair, dentro as dezenas que partem de lá diariamente, é inusitado e com um roteiro diferente.

Na porta, o “passageiro” é recebido pelo guia turístico “Seu Chico”, um senhor simpático, magrinho e de terno colorido, contagiando todos que formam fila para embarcar. Por fora, até parece um ônibus de linha comum, mas é só entrar para reparar na decoração especial, reluzindo cuiabania.

Antes de partir, o ilustre guia Seu Chico explica a história do local que se vê da janela. O Largo da Conceição, chamado também de Mundéuzinho, onde ficava o belo Chafariz do Mundéu, fonte de abastecimento para muitos na Cuiabá da época.

Para quem não sabe, esse era o antigo nome da hoje Praça Bispo Dom José. E assim o ônibus parte, prometendo mais histórias e curiosidades da cidade, pouco conhecidas pelos próprios cuiabanos.

A primeira parada é o tradicional Morro da Luz, mais um destino entre os seis da noite. Depois dele, ainda vêm a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, o Cemitério da Piedade, a Igreja da Boa Morte e a Praça da República.

A partir da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, a história, que até ali era somente a real, a que verdadeiramente aconteceu, começa a se misturar com a fantasia. Isso porque personagens emblemáticos de lendas cuiabanas contadas por séculos de geração por geração começam a fazer parte da cena.

Na verdade essa é uma peça de teatro! Assim, pelas ruas da cidade, em um jeito inovador de fazer espetáculo, onde os atores não ficam em cima de um palco e o público em uma cadeira distante na plateia, mas sim lado a lado e interagindo, acontece a encenação de “Passeio Noturno”.

A apresentação viva, dinâmica e interativa é mais uma peça do grupo de teatro independente Tibanaré que acontece desde 2015 e voltou a dominar as ruas do Centro este ano, pela primeira vez após a pandemia. O passeio proporciona bons momentos e até uma caminhada pelas ruas sob a luz do luar, com o público sendo parte importante do espetáculo.

O teatro independente Tibanaré é um grupo nascido na região do Coxipó. O MidiaNews conversou com a produtora e coordenadora de produção do grupo, Fernanda de Sousa Gandes, que contou um pouco mais sobre a criação e formação, curiosidades do grupo e das peças e sobre os objetivos iniciais da companhia.

“A formação foi em 2006, na periferia do Coxipó, com o intuito de montar um grupo de profissionais de teatro e conseguir viver disso. Começamos trabalhando com palhaçaria e depois fomos experimentando a rua, as pessoas e as interações”, diz ela.

Os primeiros ensaios foram realizados no Espaço Cultural Silva Freire, próximo ao bairro Parque Cuiabá. Fernanda e o ator Jefferson Jarcem estiveram na formação do grupo, com o desejo de trabalhar com a cultura regional, com a cultura da Baixada Cuiabana e estar mais próximos do público.

“Estabelecemos o desejo de ter uma relação muito próxima com as pessoas, uma interatividade, aquele estar perto. Buscamos fazer um teatro mais intimista, com o público no mesmo espaço cênico, derrubando a quarta parede”, conta Fernanda. O objetivo parece estar dando certo.

O grupo emprega muito também a ludicidade em seus roteiros e peças, ou seja, algo que trabalhe a imaginação e a fantasia das pessoas, mas de forma educativa.  

“Não trabalhamos só a ludicidade para crianças, mas para todos. Queremos que as pessoas possam viver aquele momento de entretenimento, mas aprendendo também, pois trabalhar com a cultura local traz muito sobre a identidade da pessoa à tona”, diz a produtora.

Essa apresentação do “Passeio Noturno” no Centro Histórico de Cuiabá, coração da cidade, visa contar as histórias dos pontos turísticos mais conhecidos, mas que parte da cidade ainda não sabe sobre seu surgimento, seu passado e seu papel na velha Capital. O crescimento e expansão da cidade e a dinâmica atual do centro, movimentado durante o dia e vazio nas noites, trouxeram também certo abandono aos monumentos que ali existem.

“As pessoas veem os casarões do Centro e acham que é inacessível. Muita gente não sabe que às vezes ali é aberto à visitação, que tem alguma coisa, abriga um museu… Então é inacessível e as pessoas também costumam achar que o teatro não é acessível para elas”, reflete a produtora.

O grupo traz os espectadores para esse itinerário, bem próximo dos monumentos, atingindo pessoas de fora do Centro e que nem sempre tiveram tão ligados com a história e cultura de sua própria cidade. A imersão rende surpresas, risadas e até uma pitada de medo.

Recentemente, o Tibanaré se apresentou na China como parte do projeto de internacionalização, que vem sendo feito desde 2018 e que já levou o grupo a outros seis países. 

O grupo tem um cast fixo de oito atores e mais dez que colaboram em trabalhos específicos.

A acessibilidade é outro ponto importante para o pessoal do grupo. O desejo deles é atingir o maior número de pessoas, principalmente as que geralmente não teriam acesso a uma apresentação de teatro.

“[Os espetáculos] Chegam muito fácil para quem já consome arte, mas para quem está na periferia, nos bairros mais distantes do centro, às vezes a informação não chega. É lá onde queremos chegar, para formar pessoas que consumam arte” conta Fernanda.

Para ela, isso reflete as raízes do Tibanaré. “A gente vem da periferia e o trabalho na construção do “Passeio Noturno” vem um pouco do que a gente encontrou nesses 17 anos de trabalho. Nós somos artistas da periferia”, finalizou.

Via Mídia News

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